CIGARRO ELETRÔNICO, O FALSO INOFENSIVO
18 de fevereiro de 2020
Professor e pesquisador desmistifica o dispositivo que produz misteriosa doença pulmonar
Um novo vício ameaça, principalmente, os jovens: o cigarro eletrônico ou vape. O nome é simpático, inocente, moderninho. Mas não se deixe enganar. O malefício ainda é desconhecido em toda a sua extensão.
Por não haver combustão do tabaco e, consequentemente, produção de centenas de substâncias cancerígenas, criou-se a ilusão de que seu uso seria menos prejudicial aos pulmões e ao organismo como um todo.
No Brasil, a comercialização do dispositivo é proibida por lei, o que, infelizmente, não tem contido o consumo. Muitos usuários acham que estão mais seguros com essa alternativa. Mas o “inofensivo” aparelho produziu centenas de casos de uma misteriosa doença pulmonar, inclusive com mortes recentes nos EUA.
A causa exata ainda não é clara. Uma hipótese é que algumas reações entre o componente oleoso do produto e a nicotina (encontrada em qualquer derivado de tabaco, como cigarros comuns) ou o THC (tetra-hidrocanabinol, derivado psicoativo da maconha, eventualmente presente em cigarros eletrônicos) produzam o que a comunidade médica chama de pneumonia lipoide ou pneumonia lipídica: depósito de gordura nos alvéolos dos pulmões, que impede a respiração normal.
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças publicou um relatório sobre as mortes. Foram estudados vários casos de adultos (entre 18 e 35 anos) que apresentaram falta de ar, náuseas, vômitos, dor abdominal e febre. A maioria relatou usar óleo de maconha ou o composto concentrado em cigarros eletrônicos. Os pacientes foram encaminhados para a UTI. Um deles necessitou de auxílio (via intubação orotraqueal e ventilação mecânica) para respirar. Sete pessoas morreram na Califórnia, levando as autoridades a proibir a venda do produto para menores de 18 anos.
Desde o final de agosto, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA registrou 1.604 casos de doenças, com 34 mortes causadas pelo uso dos dispositivos eletrônicos. Um garoto de 13 anos é, até agora, a pessoa mais jovem a morrer devido ao uso do cigarro eletrônico.
Estudos também relataram a presença de outras substâncias relacionadas à misteriosa doença pulmonar, como o acetato de vitamina E, encontrado em exames de 49 pacientes em Nova York.
Estamos diante, portanto, de uma nova epidemia causada por um produto de uso crescente. Tais evidências reforçam o que venho criticando há anos. Várias recomendações da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia chamam a atenção para o fato de não haver conhecimento de todas as substâncias encontradas nesses dispositivos. Enquanto os fabricantes alardeiam que tais produtos sejam menos nocivos aos pulmões, surgem centenas de casos de pessoas doentes. Entre os principais problemas estão infiltração pulmonar, insuficiência respiratória aguda e a mencionada pneumonia lipoide.
Muitos estudos ainda precisam ser feitos para conhecer todos os efeitos decorrentes do uso do dispositivo. Mas a indústria da nicotina, ao que parece, sempre encontra um caminho para ganhar novos dependentes. A pergunta que fica é: quantas pessoas ainda precisarão morrer antes que as providências sejam tomadas?
POR ELIE FISS
Professor titular de Pneumologia da Faculdade de Medicina do ABC
e pesquisador sênior do Hospital Alemão Oswaldo Cruz